No momento em que a
"Operação Lava-Jato" apura crimes financeiros cometidos no topo da
política brasileira e atrai as atenções de todo o País, a Polícia Federal (PF)
também irá intensificar o combate à corrupção em nível municipal. As investigações
de desvios de recursos públicos nas prefeituras serão reforçadas em todos os
estados brasileiros, inclusive no Ceará, conforme representantes nacionais da
Instituição.
A necessidade de aumentar as
investigações revela uma preocupação do Serviço de Repressão a Desvios de
Recursos Públicos (SRDP), situado na Sede da PF, em Brasília, a respeito dos
esquemas montados para investir contra as prefeituras. "Hoje, temos uma
preocupação muito grande com o nível municipal, onde verificamos que há um
certo descuido por parte dos órgãos [fiscalizadores]. O foco maior está sendo a
'Lava-Jato', então identificamos que isso gerou uma certa liberdade para os
municípios e, às vezes, alguma questão de desvio não está sendo tratada da
forma que achamos que deveria estar sendo", declarou o chefe da SRDP,
delegado federal Rolando Alexandre de Souza.
Um dos delegados de Combate à
Corrupção (Delecor) do Ceará, Joécio de Holanda, conta que a corrupção que se
alastra pelo Interior do Estado se dá principalmente por meio de licitações
fraudulentas. "As organizações criminosas constituem 'empresas de fachada'
para participarem das licitações. A fraude, normalmente, acontece em um conluio
da iniciativa privada com o poder público e possibilita a contratação ilegal.
Daí vêm os superfaturamentos e os consequentes desvios. Quando se faz um
conluio desses, evidentemente, cada um sai ganhando uma parte", detalha.
Conforme Joécio Holanda, muitas
vezes, as várias empresas que concorrem em uma licitação foram abertas pela
mesma quadrilha, mas nenhuma tem capacidade operacional, empregados ou mesmo
sede física. O delegado afirma, ainda, que as comissões de licitações das
prefeituras são formadas por pessoas consideradas de confiança dos gestores,
mas que, na maioria dos casos, não têm conhecimento jurídico para analisarem os
contratos.
O chefe da Divisão de Repressão a
Crimes Financeiros (DFIN), delegado João Vianey Xavier Filho, lembra que as
delegacias que apuram crimes financeiros e corrupção em todo o Brasil têm
vários inquéritos contra prefeituras por apurar e que a intensificação de
operações pode ser aguardada, pela população, nos próximos anos.
"Temos muito serviço na
fila, em andamento ou aguardando o melhor momento para ser iniciado. Às vezes,
são questões de oportunidade para se iniciar a investigação, mas existem muitas
coisas acontecendo e desdobramentos de operações de destaque ainda estão
surgindo. Então, são anos e anos pela frente de muito trabalho já garantido,
fora o que venha a surgir", revelou o delegado.
João Vianey Filho afirma que
esses crimes decorrentes das fraudes nas Prefeituras, geralmente, são
acompanhados de outros, como a lavagem de dinheiro. As práticas ilícitas
incluem até o envio do dinheiro desviado em nível municipal para o exterior.
"É muito comum,
principalmente quando se tem crimes de desvio, os investigados precisarem
'esquentar' o dinheiro proveniente de qualquer espécie de propina ou
superfaturamento. É muito usada a figura de 'doleiros', hoje chamados de
operadores financeiros. Eles fazem operações de troca de moedas, em grande,
média ou pequena quantidade, para que o dinheiro desapareça no Brasil e surja
em outro País, que tem políticas de paraíso fiscal. Isso se aplica em qualquer
nível de corrupção e crimes financeiros, inclusive municipal", completa
João Vianey.
Consequências
Segundo o chefe do SRDP, Rolando
de Souza, os órgãos fiscalizadores têm dificuldades para apurar desvios de
recursos em nível municipal, principalmente em cidades do Interior. A
consequência da corrupção é a deterioração dos serviços públicos que devem ser
ofertados para a população desses municípios. "Na conta, falta muito. As
pessoas morrem nas filas de hospitais, não têm sala de aula para estudar,
porque o dinheiro chega, mas não é aplicado onde deveria".
Joécio de Holanda ratifica que as
áreas mais afetadas pelos esquemas de corrupção são Saúde e Educação, por
recebem repasses de altos valores. "A corrupção é um dos crimes mais
graves, senão o mais grave. As consequências da corrupção sistêmica no Brasil
são desastrosas. Esse abismo que existe entre as poucas pessoas que têm muito
poder aquisitivo e a grande maioria da população brasileira é uma consequência
direta da corrupção", ressaltou.
Conscientização
João Vianey Filho espera que as
grandes operações realizadas no País tenham o papel de 'conscientizar' outros
agentes públicos a não se corromperem. "O desafio é, a partir dessa
atuação, ter um reflexo pedagógico, frente à sociedade para que fique claro que
a eventual conduta delituosa vai ter uma consequência, isso é muito importante
para que haja uma reversão do quadro criminoso. Se quem está delinquindo tiver
a certeza que isso vai gerar uma repercussão negativa, que ele vai ser investigado
e virá a ser preso, processado e eventualmente condenado, ajudará muito na
redução dos casos", afirma.
Joécio Holanda diz que acredita
está havendo uma mudança de postura da sociedade, no enfrentamento à corrupção.
"Acho que está havendo uma mudança gradual de cultura, entendimento e
percepção da corrupção pelo povo. E a identificação do que se entende por
criminoso também, porque essas pessoas [políticos e empresários] não eram
identificadas como criminosas", acrescentou o delegado.
Falta de efetivo especializado na
área dificulta apurações
A insuficiência de efetivo da
Polícia Federal dificulta o monitoramento de todos os municípios e a execução
de mais operações de combate à corrupção a nível municipal, em todo o Brasil,
segundo o chefe da Divisão de Repressão a Crimes Financeiros (DFIN), João
Vianey.
"É o velho problema de
cobertor curto. Temos um número de policiais, que é mais reduzido ainda quando
você leva em consideração a necessidade de especialização para atuação na área,
pois são crimes complexos, que exigem análise bancária, financeira, patrimonial
e de documentos. E, por falta de efetivo e de recurso, acabamos focando muito
nas grandes fraudes", revela o delegado.
A PF é responsável por apurar o
crime quando há desvio de recursos federais que, normalmente, são repassados em
maior volume para os municípios do que os recursos estaduais. De acordo com
Joécio, as investigações partem de notícias-crime recebidas pela Polícia,
através de denúncias da população ou de informações que são apuradas e
contestadas pelos órgãos fiscalizadores, como a Controladoria Geral da União
(CGU) e os Tribunais de Contas da União (TCU), Estado (TCE) e Municípios (TCM).
Além da contribuição externa, a
PF acompanha as suspeitas de desvios de recursos por mecanismos próprios.
"Temos sistemas de investigação e vários bancos de dados que nos ajudam no
que a gente chama de 'proatividade'. É a própria Polícia buscando a áreas
sensíveis, onde imaginamos que os desvios podem ser mais volumosos, para que
possamos concentrar nossos esforços, que são limitados", conta o delegado
Joécio de Holanda.
O primeiro ano da Delegacia de
Combate à Corrupção (Delecor) da Superintendência Regional da Polícia Federal
do Ceará foi marcado por uma operação em que foram presos 10 suspeitos de
participar de um esquema que desviou, pelo menos, R$ 10 milhões de recursos
públicos, em três Prefeituras do Ceará: Itapipoca, Pacajus e Ocara. A 'Operação
Três Climas' foi deflagrada em 7 de dezembro.
Entre os presos estava o prefeito
eleito do município de Mulungu, Robert Viana Leitão (PMN), que seria diplomado
no mesmo dia em que foi levado à sede da PF, por força de um mandado de prisão
preventiva. De acordo com a investigação, conduzida pelo delegado Joécio de
Holanda, o prefeito eleito era sócio de uma empresa que participou de
licitações fraudulentas, que desviaram dinheiro de fundos destinados à educação
básica e ao transporte escolar, em contratos firmados entre 2012 e 2015.
Robert Viana foi solto no dia 30
de dezembro último, por uma liminar expedida pelo desembargador Ivan Lira de
Carvalho, mas ele responde ao processo em liberdade.
Outras nove pessoas foram presas,
24 mandados de busca e apreensão e seis de condução coercitiva foram cumpridos
pela PF durante a Operação. O delegado Joécio ressaltou, na época, que as
fraudes das licitações eram 'evidentes'. "As licitações foram
grosseiramente fraudadas. Não foi difícil identificar. Vários atos de um mesmo
processo licitatório foram datados em um mesmo dia. Coisas denotativas que eram
voltadas para empresas específicas".
Diário do Nordeste
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