Em meio à seca que assola a
rotina das famílias mais carentes no Estado, relatório de auditoria da
Controladoria Geral da União (CGU) no Ceará estima prejuízo de, pelo menos, R$
5.297.556,73 de recursos públicos federais em contrato para a construção de sistemas
de abastecimento de água – que incluem poços, adutoras e cisternas – no
interior cearense. Tal cifra, oriunda do Programa Água para Todos, pode ser
ainda maior.
O Departamento Nacional de Obras
Contra as Secas (Dnocs), com sede no Ceará, contratou, em 2013, com dispensa de
licitação, a empresa Imperatriz Poços e Irrigações Ltda. para a construção de
183 sistemas de abastecimento de água, com a perfuração de poços artesianos,
construção de cisternas e instalação de adutoras no Estado.
Ao fim do período de trabalho,
que excedeu os 180 dias previstos, relatório encaminhado pelo Dnocs à CGU
aponta a instalação de apenas 132 sistemas, e o pagamento de R$ 13.089.346,03 à
empresa. Desde que iniciou a construção dos equipamentos, a contratada
solicitou aditivos aumentando o valor do contrato e reduzindo a quantidade de
unidades a serem entregues.
Constatações
Após dois anos de investigação do
órgão que fiscaliza recursos federais no Estado, foram identificadas diversas
irregularidades. De 87 poços visitados pelos auditores da CGU, três estavam
secos; o serviço não havia sido executado em 20 unidades prometidas; em outras
19, a empresa havia aproveitado poços cavados por outra empresa que participava
de outra licitação; cinco estavam instalados em propriedade privada; e outros
40 haviam sido concluídos.
O resultado da visita a 87 poços
– o correspondente a 66% dos equipamentos contratados – é considerado
suficiente pela CGU para a identificação de irregularidades. Não houve estudo
nem licenciamento ambiental, além de constatada a ausência de placas de obras
em vários municípios. O contrato foi firmado ainda sem a garantia de recursos
para a execução das unidades.
A auditoria também identificou o
pagamento irregular à empresa no valor de R$ 2.610.094,50 por serviços não
comprovados. O repasse feito sem a garantia de que o produto foi entregue
configura uma irregularidade, segundo a Controladoria. Como não houve visita
dos auditores em todos os municípios, a expectativa é que o prejuízo seja ainda
maior pela reincidência.
É essa desconfiança que paira
mesmo após a conclusão da investigação. Por quatro oportunidades, o
Departamento enviou à Controladoria informações desencontradas sobre as
unidades executadas e as respectivas localidades.
A auditoria pediu informações
detalhadas das localidades das instalações dos poços, mas divergências nos
relatórios da Autarquia permaneceram até a conclusão da investigação (veja o
infográfico abaixo). De acordo com a CGU, não houve planejamento para a
contratação do serviço. Não se sabia previamente quais municípios seriam
contemplados entre os 183 sistemas prometidos e que não chegaram a ser
entregues. A irregularidade abriu a possibilidade de influência política na
definição da instalação dos sistemas.
Sindicância
As irregularidades foram
identificadas ainda pelo Dnocs, na tramitação do primeiro aditivo do contrato.
A empresa reduziu a quantidade de unidades a serem instaladas. Em meio à
demanda, a gestão do Departamento identificou possíveis fraudes nas assinaturas
de um dos responsáveis.
A sindicância tentou apurar
irregularidades, como, por exemplo, indícios de falsificação de documento, de
inexecução parcial do objeto pactuado, execução defeituosa dos serviços e
ausência de documentos necessários. Em nota, o Dnocs informou que “ainda hoje
encontra-se em andamento a apuração das ocorrências identificadas, e que até o
final deste mês os trabalhos de investigação serão concluídos”.
Auditor da Controladoria que
supervisionou os trabalhos, Michel Cavalcante, afirmou ao Diário do Nordeste
que todas as recomendações ao final do levantamento foram destinadas ao órgão
auditado, no caso específico ao Dnocs. As recomendações são solicitações de
apuração dos responsáveis pelas irregularidades e as punições devidas. “Essa contratação
é um modelo perfeito e acabado de como não se deve fazer. Os fatos são muito
graves”, sentenciou.
Dnocs admite falhas nas obras
Procurado, o Dnocs admitiu
“falhas administrativas” na condução das obras e disse que está sendo feita uma
apuração interna. O órgão alegou ainda que o critério adotado para a instalação
dos sistemas de abastecimento de água era a demanda das prefeituras e dos
sindicatos, e que não havia necessidade de licenciamento ambiental.
A Imperatriz Poços e Irrigações
Ltda foi procurada nos telefones que constam nos documentos oficiais, mas não
houve sucesso em nenhum deles. A reportagem não identificou site oficial da
empresa. Questionamentos foram encaminhados ao e-mail da empresa, mas não houve
retorno. A reportagem não localizou o ex-diretor geral do Dnocs, o potiguar
Emerson Daniel, que geriu a Autarquia na época do contrato.
Nenhum comentário:
Postar um comentário